Um empresário do ramo de importação de produtos para revenda, situado no Estado de São Paulo, foi denunciado pelo Ministério Público Estadual por supostamente fraudar o Fisco ao declarar uma supressão no ICMS em valor próximo de R$ 700.000,00.
A suposta fraude, no entanto, como defendido pelo escritório TIMMERMANS ADVOGADOS, era senão uma relação comercial comum realizada entre a empresa paulista e uma terceira, trading de importação, situada no Estado de Santa Catarina. A forma como se desenvolveu esta situação é muito exemplificativa da insegurança jurídica que vive o empresário brasileiro e este específico caso pode trazer alguns insights acerca de sua própria operação, caso opere no COMEX.
O Estado de Santa Catarina possui benefícios fiscais que incentivam a importação realizada por portos catarinenses, de modo a movimentar a economia local. Faz isso dando créditos – chamados “presumidos” – de ICMS, os quais reduzem sensivelmente os custos da empresa com tributos.Assim, a empresa, ao invés de recolher o percentual cheiode ICMS sobre a operação mercantil, irá recolher apenas uma parte, sendo o restante dado como “presumidamente pago” pelo Estado – lembrando: apenas se cumpridos os requisitos da legislação catarinense, dentre os quais, o principal, seja realizado a importação via porto situado em Santa Catarina.
A empresa paulista, não dispondo de know-how para importar com o gozo destes benefícios legalmente concedidos pelo Estado de Santa Catarina, os quais possuem grau de complexidade próprios por demandarem profundo conhecimento da legislação local, optou por contratar empresa previamente habilitada que, em seu nome (contrato por conta e ordem de terceiros), importariaestes produtos para ela. Ou seja, a importadora catarinense, possuindo habilitação para utilizar destes benefícios fiscais, importaria a mercadoria em nome da empresa paulista.
Assim é que a trading catarinense importava o produto e remetia-o ao adquirente paulista e, nesta operação, estaria o empresário paulista assegurado de uma significativa redução em seus custos tributários.
Neste caso, fica fácil visualizar que o Estado de Santa Catarina estava, graças ao benefício fiscal, com uma grande vantagem em relação o Estado de São Paulo, sem o qual seria pouco provável que o empresário paulista preferisse os portos catarinenses ao invés dos portos paulistas, como o de Santos, por exemplo.
O Estado de São Paulo, sentindo-se prejudicado, editou várias normativas dispondo que, que pese a importação e o efetivo desembaraço serem realizados em Santa Catarina, o ICMS deveria ser recolhido não em favor do Estado que recebeu a importação, mas em favor daquele para onde estava destinada a mercadoria – ou seja, o Estado de São Paulo. No caso, como a mercadoria estava destinada a São Paulo, o ICMS deveria ser recolhido em favor de São Paulo – evita-se, desta forma, que usufrua do benefício catarinense, cujos efeitos ficam restritos ao ICMS recolhido em favor de Santa Catarina.
O Estado de Santa Catarina, querendo garantir o substancial impulso econômico conferido pelo benefício fiscal, dispôs em normativas que o recolhimento do tributo seria em favor do Estado onde de fato se efetivou a importação – neste caso, sendo realizada a importação em Santa Catarina, o ICMS seria devido ao Estado de Santa Catarina.
Sistematizando:
Empresa paulista importa, via trading catarinense com a utilização de portos catarinenses, produtos destinados ao Estado de São Paulo. Em favor de qual Estado deve-se recolher o ICMS?
São Paulo:
Recolhe ICMS em favor do local de destino da mercadoria, ou seja, São Paulo.
Santa Catarina:
Recolhe ICMS em favor do local em que ocorrida a importação, ou seja, Santa Catarina
Eis aí um exemplo do que se denominou Guerra Fiscal.Dois entes estaduais com entendimentos contraditórios entre si. O empresário, seguindo a legislação à época vigente, recolheu tributo ao Estado de Santa Catarina e deixou de fazê-lo ao Estado de São Paulo. O Fisco Paulista, não suficiente autuá-lo no valor que deixou de recolher, também oficiou ao Ministério Público Estadual para que procedesse à investigação dos fatos, vindo este a denunciá-lo por não recolhimento de tributos ao Estado de São Paulo.
O tributo foi, sim, recolhido, em favor daquele ente que se rogava, via instrumentos legais, competente para tanto – Santa Catarina. Não poderia o Estado de São Paulo, negando vigência às leis do Estado de Santa Catarina, imputar ao empresário uma conduta fraudulenta, vez que sua atividade se baseou exclusivamente no que previa a lei de regência do local que importou (SC).
A defesa bem-sucedida patrocinada pelo escritório TIMMERMANS ADVOGADOS teve como fundamento de defesa, portanto, a explicação do complexo sistema tributário brasileiro, cujos detalhes foram reconhecidamente essenciais à absolvição do réu por colocar em evidência a insubsistência em se atribuir ao particular (no caso, o empresário) o ônus de uma Guerra que diz respeito apenas aos entes estaduais.
O direito tributário, neste caso, foi utilizado de modo conjugado com conhecimentos que são próprios do direito aduaneiro e do comércio exterior, sem os quais a visualização das teses de defesa ficaria especialmente difícil ao juízo sentenciante. A síntese destas matérias e o conhecimento prático das operações de comércio exterior permitiu o efetivo desenvolvimento das teses penais, dentre as quais a vencedora: a ausência de dolo em fraudar o fisco de SP.
A complexidade do comércio exterior pode levar a desdobramentos tais que, como vimos, podem desaguar na justiça criminal. Estes riscos não devem ser um desincentivo ao ingresso no mercado de comércio exterior – que é muito lucrativo – mas, antes, um alerta para que se conte sempre com a assessoria de uma equipe multidisciplinar que possa ajudar a evitar esses percalços nas operações.